Os excessos e seus problemas têm sido causa de grande pesar para a humanidade. Para mudar a questão, necessário o emprego da consciência; se não pela razão, pela religião.
A princípio, homens e mulheres se reuniam em pequenas comunidades onde sabiam pensar e agir em grupo, visando ao bem comum. Os homens caçavam e pescavam enquanto as mulheres colhiam frutos. O exercício e as dificuldades enfrentadas na busca pelo alimento determinaram a vida sem excessos alimentares, bem como o equilíbrio entre a quantidade ingerida de alimentos/nutrientes e a energia gasta com as atividades cotidianas. O que se tinha eram homens e mulheres fortes, e não gordos.
Além do aspecto físico, o senso de responsabilidade grupal também dava equilíbrio à vida humana. Porém, a humanidade não se satisfez com a vida simples e comum. A inteligência, coroada pelo livre-arbítrio, fez com que alguns membros, notadamente, do sexo masculino, se destacassem e buscassem alguma diferenciação.
Surgiram, então, decorrente da fase chamada de Astrolatia, os “agentes de interpretação do divino”, que mais tarde seriam chamados de “sacerdotes”, homens ditos mais inteligentes que, pela sua intelectualidade, não se davam às tarefas práticas do cotidiano, que envolviam esforço físico. E como as atividades mentais exigem outro tipo de nutrição e não se sabia disso, começaram aí as carências alimentares de um lado e os excessos de outro.
Este fator em questão desencadeou uma relação de importâncias sociais em que os que se destacavam em inteligência e assumiam postos de sacerdotes (especialistas em decifrar as mensagens dos deuses astrais) se sobrepunham aos demais, destinados às tarefas braçais, com os primeiros exercendo poder de comando e influência sobre estes.
A humanidade estabeleceu, a partir de então, uma relação de poder e dominação: do mais forte para o mais fraco, do mais para o menos inteligente, do mais rico para o mais pobre e assim por diante. Porém, o modo de se alimentar e viver a vida não se adaptou ao surgimento das diferenças. Perdeu-se totalmente o senso de importância do grupo e o individualismo calcado na ignorância, e não no aperfeiçoamento pessoal, suscitou nos grupos disputas pelo poder através dos espaços e graduações que cada um conquistava na sociedade.
A lei do “pode mais quem tem mais” se instaurou sorrateiramente no comportamental humano e refletiu no campo da alimentação. Não foi à toa que a Renascença, que foi o ápice desse processo, foi marcada pelos excessos; tanto, que o bonito na época era ser gordo.
Durante muito tempo, desde a febre renascentista, gordura era sinal de saúde e esta foi uma crença certa até meados dos anos sessenta, quando livros como “A Vida do Bebê”, do Dr. Rinaldo De Lamare, se espalharam no mundo ocidental enaltecendo a boa alimentação, nutritiva e sem excessos, como fonte de saúde. Mesmo assim, somente no final do século passado, com a constatação do aumento considerável no índice das patologias e mortes associadas à gordura é que essa ideia começou a preocupar a população a ponto de provocar uma mudança drástica em seus hábitos.
Todavia, o excesso desenvolveu-se em forma de síndrome, através da qual a obesidade é apenas o mais temido de seus sintomas.
Cientistas e biólogos afirmam veementemente que o aumento da obesidade no mundo atual, que atingiu um ponto realmente crítico, tem origem na grande oferta de alimentos e sua característica facilidade em consegui-los, proeminente em nações em desenvolvimento acima. Juntem-se a isto as frustrações emocionais, o corre-corre desmedido pela eterna conquista de algo novo e maior, o distanciamento entre as pessoas, que também competem entre si pela própria realização, e tem-se o quadro discrepante que acusa o aumento exagerado do índice de obesidade em grande parte do mundo em oposição à fome desmedida em certos países, especialmente, africanos, onde muita vez o alimento servido é bolacha de barro batido para comer e urina de vaca para beber.
Embora se tenha conhecimento do que rege e determina uma boa alimentação para cada tipo de indivíduo, a humanidade prefere fechar os olhos para o que sabe e levar uma vida “prática”, alimentando-se de pratos rápidos para sustentar um corpo que quase não se movimenta mais, prostrado que fica diante dos computadores pessoais que conecta sua mente ativa com o mundo.
A necessidade de adaptar o tipo de alimentação para seu estilo de vida, bem como o crescimento de mortes por decorrência da obesidade, parecem não ser conhecimentos suficientes para mover o ser humano para uma mudança significativa nos hábitos alimentares. Isto nos leva a crer que este tipo de descontrole está ligado a outros, que juntos formam uma espécie de síndrome do excesso
Culpa disto pode estar no pensamento cartesiano, que impede ao ocidental de colocar seu foco para além da visão de mundo que já se tem e que está perigosamente associado ao capitalismo consumista.
Notemos, pois, que não há. De fato, uma consciência plena das necessidades humanas, uma vez que o ser humano comete excessos no poder que conquista e na conquista desmedida por obtê-lo; no falar que julga sem investigação prévia e fere sem zelo pelo moral. Há excessos na política que deseja o domínio e não a justiça e o desenvolvimento; e há excesso no exercício do livre-arbítrio humano, que a nossa raça terráquea insiste em confundir com “fazer o que vier à telha”.
Numa época em que se difunde a sustentabilidade nos meios ambientalistas, que futuro a humanidade pode esperar se não guarda este princípio para a própria sobrevivência da espécie?
Obviamente, não estou mais falando somente de obesidade, mas da total falta de consciência de que, para que possamos existir amanhã e depois de amanhã, urge enfrentarmos com coragem hoje as nossas idiossincrasias para aprendermos, definitivamente, a viver apenas com o necessário, erradicando por completo as carências e, sobretudo, os excessos. Pois são estes os elementos que mais insultam a inteligência que elevou o homem à condição de Homo sapiens sapiens.
Se o leitor não compreender o sentido do que foi posto aqui pelo filtro da ciência ou da medicina, nem mesmo pelo olhar filosófico que pretende encontrar e enaltecer a verdade, que olhe com os olhos herdados do catolicismo, que classifica como pecado a prática de toda gula, seja ela por alimentos, bens ou por poderes.
Lúcia Roberta Mello
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