A escolha por Barrabás no lugar de Jesus há dois mil anos reflete nossa tendência a exercer uma política de respostas imediatas que sustenta dominadores e dominados, em detrimento da política de amor incondicional exemplificada por Jesus.
Há cerca de dois mil anos, o povo judeu foi interpelado pelo império romano para saber qual dos prisioneiros seria libertado no dia da Páscoa dos judeus: Jesus ou Barrabás. Passados estes dois milênios, ressona em nossos espíritos o mesmo senso político de dualidade. O que isto quer dizer?
Barrabás é o nome que damos para Bar-abbâ, Bar Abbas ou Bar Aba (o filho do pai, por tradução do aramaico). Ele foi um revolucionário revoltado contra o jugo judeu ao império romano, que praticava impostos exorbitantes e desmedidos, que recebiam sem escrúpulo, muitas vezes tirando até mesmo o instrumento de trabalho dos devedores.
No caso de Barrabás, que era originário da cidade de Jopa, ele possuía um bote com o qual exercia a profissão de remador, e este lhe fora confiscado pelos romanos diversas vezes, por recusar-se a pagar tão altas taxas de impostos.
Forte, extrovertido e bruto, Barrabás tornou-se uma espécie de líder rebelde de um grupo de zelotes (zelotes eram membros de um partido judeu do tempo de Cristo, que se opunha à dominação romana, mas também era incompatível com a soberania do Deus de Israel) dos mais violentos.
Barrabás dedicou-se, assim, a roubar e saquear de quem quer que fosse, mas, com especial apreço, aos cobradores de impostos. Arrebanhou diversos seguidores à sua volta e, um dia, seguiu incógnito para Jerusalém, onde foi finalmente preso.
Jesus, que viveu à mesma época e situação geopolítica que Barrabás, a seu modo, também foi um revolucionário agitador que arrebanhava em torno de si diversos seguidores; e estes, tal como os seguidores de Barrabás, também viviam revoltados com a situação política que imperava na extensão de terras de domínio romano.
Ao contrário de Barrabás, porém, Jesus jamais empunhou uma espada ou proferiu palavra alguma de condenação, revolta ou ira contra quem quer que fosse. Quando muito, deixou transparecer sua indignação com os vendilhões do templo, aos quais expulsou de lá como forma de condenação ao comércio das coisas santas. Fora isto, sua ação foi sempre pacífica e sua fala de verdade e consciência. Não se opunha ao império, mas pregava uma linha de conduta naturalmente oposta à praticada por Roma.
Assim, aos olhos do governo local da época, ambos feriam o status político romano, cujas estratégias eram criadas com vistas à dominação e conquista expansiva de territórios.
A realidade política que sustenta as hordas de dominadores e dominados em lados opostos de uma mesma gangorra social não é exclusividade da época do império romano. Em geral, os governos ainda se distanciam da máxima governamental de zelar pelo seu povo e, ao contrário disto, subjugam-no educando-o e mantendo-o a serviço de seus próprios fins, não importam quais sejam estes.
Os lados que se contrapõem ao governo costumam se exaltar e criar muito mais balbúrdia e desordem; isto quando não empunham espadas que ameaçam o tempo todo qualquer tentativa de se criar estabilidade e concórdia.
A proposta política de Jesus não compactuava nem compactua com a violência ou com a imposição de nenhum dos dois lados, ou seja, nem por parte do governo, nem por parte do povo a ele submetido. Jesus trouxe para o mundo uma concepção política de melhoramento íntimo e pessoal, onde ninguém espera nada do outro, mas dá tudo de si para o bem comum.
Alguns representantes políticos têm atestado estarem trabalhando pelo exercício político cristão, porém, confundindo o sentido cristão com os ditames católicos impostos por uma igreja de berço romano, que sempre agiu e imprecou conforme sua própria sede de poder e dominação.
Pelo visto, a ânsia de dominar tornou-se inerente ao ser humano e marcou o Estado de Roma e sua descendência com especial atenção, dando-lhe ênfase histórica.
Os séculos passaram buscando uma adaptação. De lá para cá, a Igreja tomou o Cristianismo para si desvirtuando-lhe o berço das intenções jesuíticas. Adaptou, com seus cânones, as ideias pacíficas difundidas por Jesus ao caráter tendente à submissão de seu povo; ditou normas de conduta e, finalmente, em 1518, criou o "Livro das Taxas da Sagrada Chancelaria e da Sagrada Penitenciaria Apostólica", onde de um lado estava o preço a se pagar por cada pecado cometido e, de outro, o pecado ao qual se referia.
Como tudo o que mexe com o bolso do ser humano tende a definir sua predileção, mais uma vez o povo se revoltou e, da revolta, surgiu o Protestantismo.
Cheios de boas intenções, mas intimamente maculados pelo instinto selvagem de Barrabás, os protestantes de então fincaram pé em terras norte-americanas; e lá, não fizeram outra coisa senão exercerem suas tendências de dominação herdadas da mesma Roma que pretenderam combater, fazendo dos Estados Unidos da América um país de despotismo, lutas imorais e domínio econômico destrutivo.
Nossa consciência política aqui no Brasil, coisa da qual nos vangloriamos todo dia e, sobretudo, neste instante eleitoral em nosso país, não se difere em nada dos povos que a história registrou. Estamos, outrossim, igualmente reduzidos ao que os nossos bolsos ditam: se nos proporcionam maiores rendas, ganham nossos votos; se nos tiram o que era para nosso sustento ou deleite, ganham nossa oposição.
Quem, afinal, pode se dizer ao lado de Jesus ou ser um eleitor verdadeiramente cristão? Quem é dotado de tamanha ousadia amorosa que pode se fazer e se realizar através da própria doação, sem contestar ou agredir ao governo, mas, ao contrário, respeitando seus intentos e limites, porém, não se submetendo às atrocidades que aquele comete contra o povo, mostrando-se não submisso, imparcial ou alheio, mas atuante no bem, vigilante na verdade e pleno no amor?
E se também não há algum político cristão habilitado em dar a seu povo sem nada desejar em troca, e interessado em promover a sublimação do seu povo através da educação filosófica, da prática do amor fraternal e das leis maiores, de quem deve ser o primeiro passo senão de nós mesmos, eleitores e cidadãos, ainda que, partindo de uma mera reflexão?
Na verdade, o que está em discussão não é o fato de sermos verdadeiramente cristãos, mas o fato de sermos verdadeiramente livres, amorosos e sábios, como Jesus o foi.
Nossa situação planetária revela o quanto estivemos agindo de maneira inadequada e egoísta até aqui. Porém, continuamos a agir como crianças mimadas que pedem, exigem e batem o pé quando não ganham o que querem.
Em pior situação, somos como zelotes, preferindo a revolta, o saque e a violência como resposta ao nos cobram para viver ou sobreviver.
Não somos como Jesus, isto está óbvio. Porém, não tentarmos ser como ele está piorando os problemas do mundo. E isto não é uma questão religiosa, mas sim, uma questão política da mais séria.
Nosso dever, portanto, como cidadãos e eleitores, é o de respeitar os governantes, acatar as leis dos homens, mas, de modo pacífico, imperioso e constante, praticarmos o que for possível pela sobrevivência desta casa planetária. Esta é a mudança que devemos operar em nosso próprio comportamento e em nosso íntimo, dependendo disto o nosso futuro da nossa humanidade.
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