Dos passos mais simples, das ações mais corriqueiras, das iniciativas mais inocentes podem se revelar rivalidades inimagináveis, até mesmo entre pessoas desconhecidas.
Há, nas ruas de qualquer metrópole, uma flagrante rejeição das pessoas entre si. Mais que isso, nota-se uma espécie de rivalidade entre os seres humanos que surge do nada e se reflete num estranho comportamento social.
Em maio deste ano, dois vizinhos morreram depois de acirrada discussão por causa do local em que o lixo ficava na calçada na Travessa Chales Gobat, na Vila Lajeado, na região do Jaguaré, zona oeste de São Paulo. Duas vidas por um local de lixo, isto é que é!
Chegamos ao ponto em que, visivelmente, o ser humano perdeu os valores que o poderiam dignificar como gente. Portanto, a reflexão urge, a mudança, o resgate desses valores perdidos, o processo consciente de espiritualização, no sentido de depurar o espírito rumo à excelência do ser, é algo necessário para este mesmo instante.
Mergulhando em todos os contextos onde a rivalidade desemboca no lamaçal de ódio e desvalorização humana, percebemos que, no fundo, em cada um dos agentes humanos, há uma indiferença para com o melhoramento pessoal que também suscita à violência e às calamidades.
A passionalidade passou a ocupar não apenas o âmbito das relações afetivas; invadiu o calabouço dos desejos orgulhosos e tomou conta de tudo o que seja, a seu critério, passível de posse; inclusive, o pedaço de calçada onde se deposita o lixo.
Olhar para as nossas consciências e perceber que o exagero tomou conta do nosso psiquismo, nos levará à consciência de que extrapolamos, sobremaneira, os limites do bom senso na conduta frente ao outro.No lugar de exercermos o nosso livre-arbítrio para determinarmos um caminho mais seguro e certo para a excelência ou a divindade, o usamos para assumirmos o papel de Deus no que concerne a tirar a vida alheia.
Mas quando recairá sobre nós a consciência de tão terrível equívoco?Sobre Caim, quando este tirou a vida de seu irmão, caiu pesadamente o peso da culpa. Ao ser interpelado pelo Criador, assombrou-olhe a consciência de sua desdita e ele próprio desejou a morte. Porém, com toda severidade que a questão exigia no momento, Deus o condenou à vida cercada de indiferença, coisa que fere mais à alma do que a morte, que não passa de uma ocorrência natural de todo aquele que ganhou vida material.
Não bastou, todavia, o exemplo de Caim. Vivemos repetindo o mesmo atentado, através do que, com a mesma fúria deliberada de Caim para com Abel, continuamos a tirar a vida dos nossos irmãos a troco de nada.
Tão incauto e inconsequente comportamento suscitou um medo incontido de gente. Gente temendo gente: é o que há da porta para fora de nossas casas! E, muitas vezes, até mesmo dentro do próprio seio familiar.
A solução para o mal sempre foi o amor, aquele que Jesus exemplificou recomendando que dirigíssemos até mesmo para os nossos inimigos. Mas qual o quê?! A cada vez que abordo uma pessoa estranha na rua para começar uma conversa informal, amigável, gentil, esta outra se assusta, olha feio e responde como se estivesse sendo ofendida.
Isto me fez perceber que, para a infelicidade do sucesso humano na Terra, estamos todos sofrendo do mal da rivalidade social, num mundo em que o próximo, a quem deveríamos amar, não é ninguém mais do que a nossa própria imagem refletida no espelho; e o outro, a quem deveríamos amar também, é o grande inimigo, a quem, no lugar do amor, dedicamos a execução pervertida e potencializada de paixão enraivecida do “olho por olho, dente por dente”.
Para mudar o estado generalizado de rivalidade, a obra deve começar em nós mesmos. Afinal, “é dando que se recebe” é uma lei que não deixou de vigorar nem mesmo para os que não abriram mão da sua violência.
Lúcia Roberta Mello
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