“A gente sempre destrói aquilo que mais ama em um campo aberto ou numa emboscada; alguns com a beleza do carinho e outros com a dureza da palavra;covardes destoem com um beijo, os valentes, destroem com a espada”. Paulo Coelho
O amor tem um poder fatal. Mais cedo ou mais tarde, ele acenderá a chama de uma verdade e isto aniquilará a coisa que o comporta. O amor não faz isso por ser um mal, ao contrário, ele age na direção do que é correto, mas muitas vezes é incompreensível à personalidade humana, que ainda é passional.
No homem, ele dá aderência ao moral. Todavia, o moral do homem é dominador e unilateral no sentido do direito que a sociedade lhe conferiu de trair, mas não admitir ser traído; impor suas regras, mas não tolerar as da mulher; exigir compreensão e perdão, mas não perdoar uma companheira que não age conforme suas determinações; conquistar levianamente sem zelar pela estabilidade emocional da mulher conquistada, e por aí vai.
Na mulher, por sua vez, ele adere, prioritariamente, à carência, própria da mulher sensível, e à cadeia hormonal do ciclo menstrual e se torna histeria, confusão mental, tenebroso descontrole emocional; muitas vezes, isso resulta em depressão que pode chegar à insanidade e até ao suicídio. Em ambos os casos pode gerar crimes passionais ou, mais propriamente no caso das mulheres, grandes ardis orquestrados pelo sentimento de vingança. O curioso é que os dois, tanto o homem quanto a mulher, agem com incrível poder destrutivo em nome do amor.
No mundo de dualidades em que vivemos, é comum atribuir ao amor a responsabilidade pela existência do ódio. Não é uma associação de todo errônea, mas isto tem sido um foco nocivo para o psiquismo humano, que se habituou às dicotomias sem se habilitar, como deveria, com o aspecto totalitário das questões.
Assim, numa existência sem clareza em que a necessidade do amor se confunde com o extenso planalto de carência que há no íntimo da maioria dos seres humanos, o objeto de desejo é ou se torna facilmente uma obsessão, e o casamento é uma rinha onde vez em quando os cônjuges se confrontam.
Quanto mais o inconsciente coletivo aventa a ideia do individualismo libertador, mais se intensificam as brigas, os confrontos entre homens e mulheres e, obviamente, os crimes passionais. Isto se dá porque ninguém, ainda, atentou para o fato de que o equilíbrio não está em dar à mulher o poder que o homem tem exercido há séculos, mas em sair fora do círculo de poder onde os gêneros humanos se confrontam. É hora, pois, de rever o foco humano para que enfim se possam eleger os direitos e deveres do ser dito pensante como ser completo e igual a outro, tanto em potencialidade quanto em recursos.
Porém, nem sempre a consciência adquirida disto, nem da real importância e característica do individualismo inspirado pelo alto em nossos dias, liberta o amante da passionalidade animal que surge em meio à rejeição do objeto do seu amor.
Nesse contexto, revelam-se claramente as diferentes naturezas amorosas de Jesus, que é um com o Pai Amantíssimo, e de Javé, que é o deus criador deste universo.
O consórcio do homem ou da mulher com a natureza de Jesus, que é afável e dulcíssima, inspira à renúncia ou, em grau menor, à resignação. Porém, é uma aliança que se escolhe fazer quando se compreende e se aceita o Cristianismo. Em outras palavras, é uma escolha que fazemos em nome do amor pacífico e repleto de mansuetude, como é o do próprio Mestre.
O consórcio com o amor punitivo e exigente de Javé, ao contrário, não é decorrente de uma escolha consciente. Ele faz parte de uma herança genética que impregna nosso psiquismo com tamanha força que poucos são os que escapam de seu controle.
Entendamos que, por não ser compreendido e tampouco aceito, o amor que sofre rejeição nos parece terrível porque age no psiquismo humano com a carga genética de um deus aflito que ama não com a doçura de Jesus, mas com o desespero de quem precisa exercer o controle sobre a sua criação e tem dificuldade em aceitar, na condição em que está, outro tipo de tratamento que não o da subordinação plena.
Jesus ensina através do próprio exemplo, ama sem pedir nada em troca e exerce com extrema leveza seu jugo. Javé, ao contrário, ordena, impõe leis severas, pune quem não as cumpre.
Afora a ousadia da qual me municio enquanto autora dessa reflexão, essas questões estão em boa hora de serem aprofundadas no exercício de meditação ou introspecção de cada ser humano sobre a terra, já que estamos aparentemente todos já cansados de repetir experiências tendo de pendermos sempre para extremos, sem jamais experimentarmos o libertador caminho do meio sugerido por Budha. Todavia, é justamente no caminho do meio que se encontra a trilha possível para o eu superior, que é desprovido do psiquismo, que é inerente à personalidade.
A liberdade e a vida eterna pertencem a esse espírito de identidade, suprema sobre todas as demais, que a personalidade cria para se manter na grandiosa rede genética de Javé. Mas também o amor, em sua forma ampla, criadora e ígnea, é algo que nutre e pertence a este eu superior. E este é o amor que se encontra no seio e no todo que é Jesus.
Já o que se vê nas formas menores do ser, tanto no homem quanto na mulher, é apenas um retalho de amor. No tanto que suporta a frágil personalidade, que está fadada a morrer diante do próprio eu que o rege sob a lei da fatalidade que o amor congrega no exercício de sua plenitude, sendo assim incondicional, não há esperanças de liberdade espiritual; pelo menos, não enquanto houver segregação de gêneros, raças, ideologias etc. Pois a personalidade chegou ao seu limite de suportabilidade; e apenas porque não compreende que para ir além é necessário abrir mão de si mesma, engendra em seu ventre a semente de destruição que sofre, abandona e até mata por amor.
Lúcia Roberta Mello